Cabeça Metropolitana
- estudio llwillsilva
- 15 de mar.
- 3 min de leitura

Estava voltando do mercado hoje pela manhã, em silêncio, prestando atenção nos meus passos. Os pensamentos não estão em boa sintonia ultimamente. O plano é evitá-los ao máximo possível. A estratégia é ocupar a cabeça com outras atenções e percepções. Mindfulness. Funciona bem comigo. Estava me sentindo bem tranquilo, quase virando a esquina. Engraçado é que a tranquilidade sempre me deixa ansioso, porque sei que ela vai acabar a qualquer instante. Dito e feito. Um som de metrópole por aqui? Todos na rua ouviam o mesmo som. Mindfulness foi para o espaço. Como diria um querido amigo que não está mais neste mundo: “Will, tem um carro branco gritando o seu nome!”
Acho que essa é a primeira ambulância que vejo em dois anos. Todos na rua olhavam para o mesmo carro. Parecia um cometa, não pela rapidez, mas pela raridade. Eu juro que fiquei com vontade de ir atrás dela para saber o que tinha acontecido. Percebi que algumas pessoas, com menos vergonha do que eu, foram. Moro em uma cidade com cinco ruas. Ela não poderia ir para muito longe. Voltei a caminhar. O som da ambulância continuava no ar como uma trilha sonora de filme de Nova York. Por um instante, percebi a situação e fiquei feliz. Venho lutando para deixar a minha cabeça de metrópole longe dessa cidade. E querer seguir uma ambulância era um sinal bom. Ambulâncias passando sempre foram tão comuns no passado que até deixava de notá-las.
Apesar de lutar para deixar a metrópole longe da minha cabeça, às vezes sei que no fundo preciso dela para me sentir protegido. Acho que já mencionei em algum momento neste blog que atualmente moro em uma cidade pequena no interior de Santa Catarina. É uma delícia na maior parte do tempo. Mas às vezes não é. Sinto falta de não perceber as ambulâncias. O ambiente metropolitano tem seu charme também. Hoje em dia, quando faço as minhas caminhadas, tenho ar puro, paisagens, vacas, cavalos, estradas de terra; é um privilégio maravilhoso. Como eu disse, na maior parte do tempo eu amo isso. Mas, às vezes, sinto falta de caminhar pela Avenida Paulista, de pegar um trânsito, de sentir a adrenalina do medo. Mas é bobagem. Já passou.
Eu não sei por que às vezes sinto essas coisas. Talvez, em um ambiente caótico, os pensamentos fiquem mais entretidos com o mundo exterior e não tenham tempo de chegar perto da alma. O vazio é mais perigoso e violento que uma metrópole. Confesso que hoje estou mais estranho do que o normal. Tem dias que acordo assim. São os dias em que preciso fugir de alguns pensamentos. Dias em que o caos das metrópoles me faz falta, ele funcionava melhor que o mindfulness. Ambulâncias passando não traziam de volta pensamentos traiçoeiros.
No fundo, eu sei que tudo isso faz parte de uma desintoxicação cerebral. Voltar a ter o controle de um avião em queda livre é desafiador, mas esperançoso. É só puxar o leme com toda força e voltar a planar. Santa teoria! Às vezes, ficamos tanto tempo no piloto automático que, quando tomamos o controle novamente, não sabemos ao certo onde estamos. Mesmo que a teoria do leme funcione, o que vem depois? Planar para onde? Até quando? Para quê? Cacete! Preciso voltar a prestar atenção nos meus passos, a sentir o vento tocando na pele, ouvir os pássaros e o mundo. O som da ambulância parou.
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