EU ME RENDO!
- estudio llwillsilva
- 5 de mar.
- 3 min de leitura
Atualizado: 15 de mar.

Ai, meu Deus! Ele está vindo pra cá. Comecei a caminhar apressadamente para o outro lado. Dá licença, oi, dá licença. Fui me deslocando como se precisasse chegar a algum lugar, mas o único objetivo era fugir para qualquer canto. Só precisava me afastar o mais depressa possível. Quem me via nem imaginava que eu estava com medo, acuado e afugentado. Parecia aqueles pesadelos em que você tenta correr, mas não sai do lugar.
Quando achei que estava salvo, que tinha despistado meus algozes, percebi que eles estavam por todos os lados. Armados e animados. Qualquer caminho me levava para o mesmo lugar. Afinal, eu estava na base deles, no habitat deles. O que tinha me levado até aquela situação foi estar na equipe de segurança de uma garotinha de sete anos. Éramos dois nessa missão, mas a outra já tinha debandado para o outro time. E o pior: descobri que a garotinha também era um deles. Mas isso não poderia tirar meu foco. Eu precisava vigiá-la, protegê-la, seguir com o plano a qualquer custo.
E foi justamente isso que me fez tomar uma decisão. Vou me render! Afinal, estou sozinho aqui... bem, nem tão sozinho. Quando olho em volta, até reconheço alguns que são como eu. Pobres coitados, vejo nos seus olhos que não queriam estar naquela enrascada também. Mas dever é dever, e a missão é nobre. Assim como eu, eles não têm para onde correr. Fugir não é uma opção.
Perto de mim, a uns três metros de distância na minha frente, havia um desertor. Tinha certeza de que era ele. Camiseta preta e bermuda jeans, sem nenhuma arma ou acessório. Eu tinha visto ele momentos antes. A gente tinha trocado aquele olhar silencioso de cumplicidade e reconhecimento. Tínhamos até dado um sorrisinho de compaixão pela causa nobre que nos colocara naquele lugar. Mas agora ele tinha mudado de lado, passado para o bando deles, e aquilo, que a princípio eu julguei como fraqueza — e até como covardia, já que deixava o número do nosso time ainda menor — começou a despertar outros pensamentos em mim. Comecei a ponderar opções que eu tinha esquecido que tinha, e aquilo foi libertador. Pensei: isso pode ser um aviso, uma opção válida para mim também! Vou me render!
Não foi uma decisão fácil. O que me incomodava não era o sentimento de traição ou arrependimento. Eu sabia que a mudança de lado não era algo definitivo. Era só uma comodidade para conseguir sobreviver naquele lugar sem precisar ficar fugindo de fumaça colorida, spray fosforescente, líquido que voava para todo lugar — uma mistura de suor, H2O e álcool — sem esquecer da cobertura de papel picado, glitter e purpurina, que colava no corpo, no cabelo, na boca, no estômago… Mas tudo bem, eu tinha me decidido! Já tinha jogado fora a minha bandeira e pulado da bandeira branca para a bandeira deles, que já estava estendida e flamulando no meu mastro.
Eu era um deles agora, e não qualquer um: era motivado e dedicado à causa do grupo. Impressionante como a gente pode ser bom naquilo que está disposto a ser. Minhas angústias e preconceitos tinham ido embora junto com a minha bandeira. Eu abracei o caos. Essas picuinhas de sujeira e meleca só incomodam quem não está no time. Assim que tomei a decisão de mudar de lado, percebi que todo estranhamento deu lugar a um acolhimento. Agora, em vez de fugir, eu caçava meus antigos algozes, procurava as cores e queria me pintar, molhar e virar um bife à milanesa naquela atmosfera de líquidos e substâncias.
Meu olhar para meus antigos compatriotas da chatice era de pena. Ficar resistindo à força dionisíaca desse lugar, dessa turma, era uma causa perdida. Reconhecer a derrota e aceitar a dominação dos vencedores era a única saída possível para aquela prisão conceitual de um cérebro enrijecido, velho, chato, fechado à vida e às experiências momentâneas que ela te proporciona. Às vezes, entramos nessas batalhas para combater um inimigo que só existe na nossa cabeça, nos nossos preconceitos e na nossa resistência de viver a vida da forma que ela chega para nós.
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